Relatório da ONU pede nova destinação para US$ 470 bilhões de suporte à agricultura que distorce os preços e nos afasta de metas ambientais
O apoio global aos produtores do setor agrícola chega a US $ 540 bilhões por ano, representando 15% do valor total da produção agrícola. Em 2030, estima-se que esse valor suba mais de três vezes, alcançando US $ 1,759 trilhão. Mesmo assim, 87% desse apoio, aproximadamente US $ 470 bilhões, distorce os preços e é ambiental e socialmente prejudicial. Essas são as conclusões de um novo relatório da ONU que pede o redirecionamento de incentivos prejudiciais para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030, além da realização da Década de Restauração do Ecossistema da ONU.
O relatório, Uma oportunidade de bilhões de dólares: nova destinação do apoio agrícola para transformar os sistemas alimentares, lançado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) considera que o apoio atual aos produtores consiste principalmente em incentivos de preços, como tarifas de importação e subsídios à exportação, bem como subsídios fiscais que estão vinculados à produção de uma mercadoria ou insumo específico. No entanto, esses incentivos são ineficientes, distorcem os preços dos alimentos, prejudicam a saúde das pessoas, degradam o meio ambiente e são muitas vezes injustos, colocando grandes empresas do agronegócio à frente dos pequenos agricultores, entre os quais grande parte são mulheres.
Em 2020, até 811 milhões de pessoas no mundo enfrentavam fome crônica e quase uma em cada três pessoas no mundo (2,37 bilhões) não tinha acesso a alimentos adequados durante todo o ano. Em 2019, cerca de três bilhões de pessoas, em todas as regiões do mundo, não tinham condições de manter uma alimentação saudável.
Embora a maior parte do apoio à agricultura hoje tenha efeitos negativos, cerca de US $ 110 bilhões são injetados no apoio à infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, e beneficiam o setor agrícola em geral. Reconfigurar o apoio ao produtor agrícola, em vez de eliminá-lo, ajudará a acabar com a pobreza, erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição, promover a agricultura sustentável, fomentar o consumo e a produção sustentáveis, mitigar a crise climática, restaurar a natureza, limitar a poluição e reduzir as desigualdades.
O Diretor-Geral da FAO, Qu Dongyu, disse: “Esse relatório, lançado na véspera da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU é um alerta para os governos de todo o mundo repensarem os esquemas de apoio agrícola para torná-los adequados ao propósito de transformar nossos sistemas agroalimentares e contribuir para os Quatro Melhores: Melhor nutrição, melhor produção, melhor meio ambiente e uma vida melhor”.
A agricultura é um dos principais setores que contribuem para as mudanças climáticas por meio de emissões de gases de efeito estufa de diferentes fontes, incluindo estrume em pastagens, fertilizantes sintéticos, cultivo de arroz, queima de resíduos de safra e mudança no uso da terra. Ao mesmo tempo, os produtores agrícolas são particularmente vulneráveis aos impactos da crise climática, como calor extremo, aumento do nível do mar, seca, inundações e ataques de gafanhotos.
Prosseguir com o modelo de apoio atual piorará a tripla crise planetária e, por fim, prejudicará o bem-estar humano. Cumprir as metas do Acordo de Paris requer mudar o apoio em países de alta renda para uma indústria de carnes e laticínios descomunal, que responde por 14,5% das emissões globais de gases de efeito estufa. Em países de baixa renda, os governos devem considerar novas destinações para seu apoio a pesticidas e fertilizantes tóxicos ou ao plantio de monoculturas.
“Os governos têm agora a oportunidade de transformar a agricultura em um grande vetor para o bem-estar humano e em uma solução para as ameaças iminentes de mudança climática, perda de natureza e poluição”, disse Inger Andersen, Diretora Executiva do PNUMA. “Ao mudar para um apoio agrícola mais positivo, equitativo e eficiente para a natureza, podemos melhorar os meios de subsistência e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões, proteger e restaurar os ecossistemas e reduzir o uso de agroquímicos.”
O relatório destaca casos em que o processo de mudança já foi iniciado: o estado indiano de Andhra Pradesh, que adotou uma política de Agricultura Natural com Orçamento Zero; a reforma de 2006 das políticas agrícolas na China que apoia a redução do uso de fertilizantes minerais e pesticidas químicos; o Esquema de Pagamento Único no Reino Unido que removeu subsídios em acordo com a União Nacional dos Agricultores; a União Europeia, onde a diversificação de culturas foi incentivada por meio da reforma da Política Agrícola Comum (CAP, na sigla em inglês) e do programa senegalês PRACAS para incentivar os agricultores a cultivar culturas mais diversas.
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Embora não haja uma estratégia padrão que caiba a todos para redirecionar o apoio ao produtor agrícola, o relatório recomenda aos governos uma abordagem ampla de seis etapas:
- Mensurar o suporte fornecido;
- Compreender seus impactos positivos e negativos;
- Identificar opções de redirecionamento;
- Prever impactos;
- Refinar a estratégia proposta e detalhar seu plano de implementação;
- Por fim, monitorar a estratégia implementada.
O administrador do PNUD, Achim Steiner, afirma: “Dar uma nova destinação ao apoio agrícola para mudar nossos sistemas agroalimentares em uma direção mais verde e sustentável – inclusive recompensando boas práticas, como agricultura sustentável e abordagens climáticas inteligentes – pode melhorar a produtividade e os resultados ambientais”. “Isso também aumentará os meios de subsistência de 500 milhões de pequenos agricultores em todo o mundo – muitos dos quais são mulheres – ao garantir condições mais equitativas.”
Ao otimizar o apoio ao setor agrícola por meio de uma abordagem transparente, personalizada e baseada em evidências, nosso planeta se beneficiará de um sistema agroalimentar global mais saudável, sustentável, equitativo e eficiente. O relatório é lançado antes da Cúpula de Sistemas Alimentares de 2021 (setembro), COP15 de biodiversidade (outubro) e COP26 de mudança climática (novembro). Esses eventos permitirão que os governos assumam compromissos multilaterais para repensar subsídios agrícolas desatualizados, avançar melhor para a era pós-COVID-19, se comprometer com essa estratégia e coordenar e monitorar sua implementação.