População paraense gasta metade do salário com cesta básica, aponta Dieese
Rômulo D’ Castro – Da Revista Cenarium
ALTAMIRA (PA) — Colocar comida na mesa nunca foi tão apertado para o brasileiro. Com produtos como carne bovina, grãos e legumes com o preço nas alturas, manter a despensa virou luta diária. Maria Dulciney é funcionária pública em Oriximiná, Oeste do Pará, e, de uns tempos para cá, se viu obrigada a cortar vários produtos da cesta.
“Só compro mesmo o necessário. Às vezes, tem coisa que a gente não precisa tanto e passei a tirar da lista”, explica a funcionária pública que recebe um salário mínimo por mês.
Inspetora da qualidade de uma empresa de celulares, e mãe de dois filhos, Rafaela Sousa divide as contas de casa com o marido, que trabalha na mesma montadora de eletrônicos, e com dois irmãos que moram com o casal. Na hora de colocar na ponta do lápis o que adicionar ao carrinho, Rafaela é radical e, além de cortar o que considera desnecessário, suspende as compras onde o preço está mais alto, mesmo que sejam alguns centavos.
“Aqui em casa a gente comprava em um supermercado mais perto, daí trocamos para outro e depois para outro. Vamos atrás do preço que está mais em conta e trocamos quando é necessário para manter as compras”, explica.
Maria e Rafaela fazem parte da parcela de paraenses que, por causa da alta constante de preços dos alimentos, tem que se adaptar para manter itens básicos, como arroz e feijão.
Cesta básica
Com a variação para cima, o Pará tem uma das cestas básicas mais caras do País. Foi o que apontou uma pesquisa recente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A pesquisa é feita todos os meses em 17 das 27 capitais brasileiras.
Belém, capital do Pará, ocupa a 12ª posição entre as capitais com as cestas básicas mais caras. Produtos como tomate, arroz e carne bovina puxam o preço para cima e o poder de compra para baixo.
Considerando apenas o essencial para fazer o supermercado na capital Belém, o paraense tem que desembolsar R$ 563,97 (quinhentos e sessenta e três reais e noventa e sete centavos). O Dieese também calcula o impacto no orçamento geral da família tendo como margem o salário mínimo atual, de R$ 1.212,00. Para conseguir comprar itens necessários para a sobrevivência, o paraense compromete 50,31% do salário mensal.
Em São Paulo (SP), capital com cesta básica mais cara do País, de acordo com o Dieese, os alimentos chegam a consumir 63,67% dos ganhos gerais de cada família. Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO) e Fortaleza (CE) completam a lista de capitais que, assim como Belém, obrigam o contribuinte a separar mais da metade do salário só para alimentos básicos.
Alimentos mais caros
Às margens de uma estrada no município de Altamira, localizado no Sudoeste do Estado, mora Jaqueline da Silva. A jovem de 25 anos é mãe de quatro crianças e vive de doações. Da casa de madeira e lona à carne que cozinha para os filhos, tudo é fruto de ajuda de vizinhos e pessoas que cruzam a estrada e se comovem com a história da jovem que não pode contar com o Bolsa Família porque o benefício foi cortado no ano passado.
Jaqueline é viúva, não tem emprego, não concluiu o ensino fundamental e, antes do marido morrer, o sustento da família vinha de uma pequena plantação que o casal mantinha em um terreno emprestado. “Dou graças a Deus pela ajuda que chega. É colchão, gás e a comida. Só assim que a gente consegue ter com o que se alimentar. Se não fosse isso não sei como faria para manter a gente”, lamenta em tom de gratidão a quem para e deixa alguma coisa para ela e os filhos.
Jaqueline não é um caso isolado. Estima-se que, em 2021, o nível de extrema pobreza tenha sido realidade para mais de 14,5 milhões de famílias brasileiras. O número é referente às famílias cadastradas em programas do governo federal e pode chegar a 60 milhões de pessoas, que vivem com apenas R$89 por mês.
Tudo caro… E agora?
Com mais da metade do salário mínimo tendo de ser reservado para os alimentos, a missão é garantir pelo menos a aquisição de produtos que não podem faltar na despensa. O economista Edson Macedo explica que “pesquisar é sempre a melhor saída. Procurando em supermercados ou mercadinhos do bairro, a diferença pode ser considerável”, garante.
Ainda de acordo com o especialista, o Pará segue a tendência de outros Estados onde o poder de compra caiu acompanhado da alta do dólar, o baixo salário e a inflação instável. “O poder de compra tem reduzido gradativamente e por isso está complicado para a população atender à própria demanda. Esses produtos com aumento todo mês são muito preocupantes”.
O economista também destaca que mesmo com alguns produtos podendo ser trocados por similares – como a carne bovina por aves e suínos – o aumento desenfreado no preço dos alimentos causa impactos culturais em um País onde a carne vermelha, por exemplo, sempre foi preferência. “O apelo pela carne [bovina] ainda faz com que a população aperte mais ainda o orçamento para manter pelo menos parte do consumo”.
Então, o que fazer para manter uma dieta básica? Algumas dicas podem ajudar. “Se puder ir a dois, três ou mais estabelecimentos é importante. Vejo isso como algo que deve ser rotina. Alguns estabelecimentos fazem promoções e, mesmo que a qualidade possa cair nesse tipo de escolha, é uma alternativa válida”, finaliza.
Situação econômica
Convidado recentemente a fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil viu a oportunidade de compor o chamado “clube dos ricos”, mas o País ainda apresenta sinais de nação emergente, com problemas crônicos, entre os quais, a fome.
São mais de 14,5 milhões de famílias em extrema pobreza. No Pará, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2021 fechou com 19% da população classificada nesse nível social.
Com isso, comida no prato do brasileiro deixou de ser assunto limitado à esfera econômica. Políticas públicas que prometem erradicar o problema se reduzem a falácias de candidatos a cada nova campanha. Na prática, falta ação.
Para o analista político Edyr Veiga, as medidas devem ser urgentes e a discussão tem de começar focando no que ele chama de problema real, a base mais pobre. “De imediato, eu acredito que o governo do Pará tenha que criar um programa de subsídio para atender a população mais podre, pessoas de baixíssima renda, […] para o gás, como já criou, mas muito maior esse subsídio para o pão, para o transporte público e para a cesta básica dessas pessoas”.
Veiga estende a análise para ações simples, mas necessárias. O especialista usa como exemplo pessoas que, além da falta de comida, enfrentam o desemprego e se quer têm onde morar. “Uma casa de passagem, como tem nos países desenvolvidos, para aquelas pessoas que estão em situação de rua, para que durante a noite tenham local onde dormir, tomar um banho e toma uma sopa”.
A falta de qualificação profissional aumenta a vulnerabilidade de pessoas em extrema pobreza. Edyr Veiga vê a formação como fundamental. “Aí você pergunta ‘e de onde vem esse dinheiro’?”. O próprio analista responde. “Commodities de exportação de minerais. Pensando nisso poderia se criar um movimento político […] com uma proposta muito clara de criar subsídios de alimentação”.
O Pará, segundo o analista político, levanta aportes equivalentes a R$ 4 bilhões por ano com a exportação de minerais extraídos de municípios ricos em ouro e bauxita, por exemplo.