Pesquisa aponta que desmatamento não constrói prosperidade na Amazônia

Cooperação internacional de pesquisadores publicou artigo na revista científica Tropical Conservation Science

Enquanto o desmatamento da Amazônia atingiu níveis recordes – 1.455 km² em setembro de 2022, segundo a plataforma TerraBrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) –, um grupo internacional de pesquisadores constatou que o desmatamento na região não leva necessariamente a sistemas justos de produção de alimentos ou a redução da pobreza. As descobertas, publicadas na revista científica Tropical Conservation Science (https://journals.sagepub.com/home/TRC), retificam um argumento-chave adotado pelos defensores do desmatamento no Brasil. “O desmatamento na Amazônia nas últimas décadas não construiu prosperidade para muitas pessoas locais”, disse o autor principal do artigo, Prof. Dr. Darren Norris, da Universidade Federal do Amapá (Unifap).

De acordo com o Prof. Dr. Darren Norris, docente dos Programas de Pós-graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) e em Biodiversidade Tropical (PPGBio), o artigo é fruto de uma cooperação de pesquisadores brasileiros e oriundos dos Estados Unidos e Austrália, a partir de uma colaboração informal entre pessoas com experiências diversas e interesse em comum para a desenvolvimento sustentável e conservação de florestas tropicais. Eles analisaram padrões anuais de mudança da cobertura florestal e indicadores econômicos para cerca de 800 municípios na Amazônia brasileira, de 2006 a 2019, cobrindo quase cinco milhões de quilômetros quadrados. O objetivo foi examinar, a partir da observação científica, a validade dos argumentos econômicos apresentados pelos defensores do desmatamento de que este traria a redução da pobreza.

“É amplamente entendido que a floresta Amazônica preserva não apenas uma biodiversidade imensurável, mas também mantém os serviços ecossistêmicos e a clima necessário para a produção agrícola. Mas os defensores do desmatamento no Brasil, incluindo o lobby do agronegócio, argumentam que derrubar as florestas Amazônicas é uma maneira eficaz de aliviar a pobreza. Emblemático dessa posição foi a declaração oficial do Brasil à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, que afirmou que ‘onde há muita floresta também há muita pobreza’, implicando que a cobertura florestal está inversamente correlacionada com o bem-estar humano. Ou, seja, que a destruição ambiental é um ‘custo necessário’ do desenvolvimento”, observa Darren Norris.

A perda florestal não está associada a indicadores econômicos
O estudo publicado na Tropical Conservation Science mostrou que, de 2006 a 2019, os indicadores econômicos para municípios com média de 74% de cobertura florestal não diferiram dos municípios com menos de 50% de cobertura florestal em 2019. Com salários médios estagnados nas últimas décadas, os resultados do estudo sugerem que o desmatamento não necessariamente gera sistemas de produção de alimentos transformadores e equitativos ou leva ao alívio da pobreza.

Os resultados vêm de uma série detalhada de comparações feitas usando Produto Interno Bruto (PIB), salário médio, existência de planos de saneamento básico e conectividade com a internet como indicadores econômicos para avaliar as questões do estudo. “Pela primeira vez, fomos capazes de executar análises controlando a autocorrelação temporal e espacial, que demonstraram gerar viés e incerteza consideráveis em análises anteriores”, explicou Darren Norris. “Embora os indicadores que escolhemos não sejam totalmente abrangentes em comparação com os disponíveis nos dados do censo nacional, eles representam um conjunto útil para o desenvolvimento econômico em toda a Amazônia brasileira nos intervalos anuais que examinamos”, esclareceu.

Os pesquisadores do estudo enfatizam que as descobertas vieram de uma avaliação das associações diretas entre perda florestal e indicadores econômicos, mas os pesquisadores não avaliaram, por exemplo, os efeitos através e/ou entre as cadeias produtivas que podem contribuir para a variação dos indicadores econômicos.

“As associações diretas são importantes, mas não são os únicos efeitos que ocorrem em toda a diversidade de culturas e ambientes encontrados na Amazônia brasileira. De fato, muito poderia ser acrescentado por estudos futuros que examinem com mais detalhes os padrões de desenvolvimento localizados”, reforçou Norris.

“Pesquisas como essa são importantes porque podem informar diretamente a formulação de políticas. Esperamos que isso encoraje um exame mais profundo de algumas das alegações apresentadas por políticos”, disse o coautor Rhett Ayers Butler, fundador e CEO da plataforma de mídia ambiental Mongabay.

Implicações para a conservação
Os resultados apoiam evidências de todos os trópicos que mostram que o desmatamento pode ser um benefício de curto prazo para as economias agrícolas, mas não necessariamente gera sistemas de produção transformadores e equitativos ou alívio da pobreza.

“Embora os defensores do desmatamento mantenham o foco no corte de árvores, parece muito mais provável que o alívio da pobreza possa ser alcançado em toda a Amazônia brasileira sem perda de floresta por meio de medidas que melhorem diretamente o saneamento e a educação, facilitem maior acesso aos recursos e criem oportunidades para aproveitar das tecnologias e políticas disponíveis”, conclui Darren Norris.

A íntegra do artigo está disponível no link https://doi.org/10.1177/19400829221132193.
A versão em Português pode ser acessada no link https://www.researchgate.net/publication/364123197_Norris2022_CuttingDownTrees_Ptpdf.

Texto: Darren Norris. Edição: Assessoria Especial da Reitoria/Unifap

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