Dom Pedro José Conti: Duplica a dose
Um médico sábio disse: – Os melhores remédios são o amor e o cuidado.
– Mas o doente perguntou: – E se não funcionarem?
O médico sorriu e respondeu: – Duplica a dose!
Com o terceiro domingo da Quaresma, iniciamos o próprio deste ano litúrgico no qual estamos lendo o evangelho de Lucas. É o evangelho da misericórdia de Deus manifestada de tantas formas por Jesus em sua vida terrena. Não que os outros evangelistas transcurem o tema da misericórdia, mas Lucas é particularmente atento a esse assunto. No evangelho deste domingo, podemos perceber facilmente a novidade da mensagem de Jesus.
Algumas pessoas trazem a ele a notícia triste da crueldade de Pilatos com os galileus. O próprio Jesus, na sua resposta, lembra outra tragédia: a queda da torre de Siloé, que tinha causado 18 vítimas fatais. As perguntas que o povo se fazia naquele tempo são sempre as mesmas, são as nossas também: por que eles e não outros? Será que eles mereciam morrer daquele jeito? Por que eles e não eu? Será que eu vou escapar? Se somos sinceros, não temos respostas. Ou, se temos, delas surgem outras perguntas. Por exemplo, se respondemos que tudo foi um acaso ou uma fatalidade, deve ríamos admitir que a nossa vida está pendurada no vazio e no imponderável. Nada sabemos, nem do hoje e nem do amanhã. Eis, pois, a nova pergunta: se tudo já está decidido, nós somos somente bonecos nas mãos do nada ou de um ser caprichoso e imprevisível? Um “deus” assim não é muito entusiasmante.
Como acreditar e confiar em alguém que não sei o que pensa e o que quer? Também as respostas que Deus quis assim ou, pior , que ele precisou daquela pessoa que morreu, não nos satisfazem. Queremos saber mais. Jesus, no entanto, não responde com raciocínios intelectuais ou afirmações altissonantes. Conta uma parábola.
Primeiro, porém, nos convida à conversão, ou seja, a mudar a nossas ideias mesquinhas sobre Deus. Ele não é um jogador de dados, um justiceiro ou alguém que, simplesmente, não liga para nós. É um Pai amoroso que doa a vida aos seus filhos amados, os acompanha com carinho e, sobretudo, tem muita, muita paciência. Este é o sentido da parábola da figueira que, pela intercessão do vinhateiro, ainda receberá os cuidados por mais um ano. Mas o segredo está nos frutos. A utilidade, ou inutilidade, da planta depende dos frutos. Igualmente o sentido da nossa vida não está na quantidade d os anos, no acúmulo de riquezas ou de grandes sucessos.
O valor da vida, que passa para qualquer um, depende dos frutos de bondade e de amor que conseguimos produzir. Até os sofrimentos, mais ainda se forem por causa do Evangelho ou pela fome e a sede de justiça, são frutos agradáveis a Deus. Por isso, a vida vale a pena ser vivida. Não sabemos a sua duração, mas o rumo o conhecemos e o Caminho também. O vinhateiro que intercede e se compromete a colocar mais adubo na pobre figueira, antes condenada ao corte, é o próprio Jesus. O “adubo”, perdoem a comparação, é o seu exemplo, as suas palavras, a sua própria vida, a sua esperança.
A esperança de Jesus? Isso mesmo. Porque apesar da nossa cabeça dura, das nossas dúvidas, ainda o vinhateiro diz: “Pode ser que venha a dar fruto!” Onde podemos encontrar um Deus tão bondoso e compassivo? Foi Jesus que veio no meio de nós para que o conhecêssemos e, sobretudo, o amassemos.
Tudo isso é simplesmente maravilhoso. Nós estamos doentes de celebridade, de “selfies” e holofotes. Queremos aparecer. Poses e aplausos podem satisfazer o nosso orgulho, mas talvez não sejam frutos tão bons. Que tipo de pessoas nós somos: doces, amigas, confiáveis e generosas, ou chatas, egoístas, arrogantes e invejosas? Graças a Deus, quantos frutos bons existem por aí produzidos, na humildade e no silêncio, por tantas pessoas anônimas, solidárias e fraternas. Simplesmente “humanas”, capazes de aproveitar bem das suas longas ou curtas vidas, sem medo de Deus, porque, quando forem chamadas, terão tantos frutos bons para lhe oferecer, tantos que, talvez, nem elas sabiam. Em todo caso, uma “dose dupla” de Jesus e do seu exemplo não faz mal para ninguém, ao contrário…