Música da Amazônia: Reforma Amazongráfica
Chico da Amazônia
por: Euclides Farias
Fingidor, que finge tão completamente que chega a fingir que é a dor a dor que deveras sente, o poeta Chico Terra, engajado como ele só, sentencia, por verso-achado, que a Amazônia não tem mais acento, crivada que está de assentamento.
Licença poética e estréia do músico Chico Terra como letrista, “Reforma Amazongráfica” não só avacalha com a reforma ortográfica de meia tigela que engatinha no país, mas bagunça também com a cara de paisagem do conformismo que mata a indignação e sepulta a Amazônia.
Diga-se antes de qualquer coisa que Chico Terra não é letrista de ocasião, a fazer loas à crença alheia. Desde que se entende por gente que poderia recorrer às letras para reagir aos impulsos humanos da indignação, ele escreve sobre o que conhece, e pelo que sofre. De tão intransigente com dores sociais, sempre contrapostas a hipocrisias, Chico chega não raro a ser confundido com partidários xiitas submissos a cartilhas. Dou testemunho: o poeta está enraizado num tempo amapaense e amazônico que não existe mais, senão na memória que minha memória só alcança dos anos 1960 para cá.
Em Amazongráfica, o compositor recorda que tiraram a vida do seringueiro Chico, transformado em totem na canção. Chico sugere que, talvez aí, com a morte de Chico Mendes, tenha caído de fato o assento da Amazônia, desamparando a nossa voz e nos chamando, sem convocação explícita, a lutar com palavras – tal qual Vital Farias – para que grileiro não mate posseiro só para lhe roubar o seu chão.
Reaja! – pede Chico para todos nós.
Em verdade, vos digo: vívida, tapa na cara e madura de quase cair do pé, a primeira letra de Chico Terra chegou quase outonal. O poeta já ultrapassou a barreira dos 50 anos, acumulando histórias de cantador que musicalmente nasceu no Amapá, adolesceu nas cantorias dos clubes de esquina de Belo Horizonte e veio embora para a sua Pasárgada, onde é, bandeiramente, inimigo do rei.
Ave, Chico Terra!