João Silva: A lenta agonia do rádio

Pode parecer que não, mas o rádio é uma das paixões da minha vida, ensinou-me muitas coisas, mas não me ensinou a ganhar dinheiro com ele, razão pela qual não devo ao rádio a sustentação dos meus projetos como cidadão, até porque radialista, mesmo se tratando de bom profissional, quase sempre não ganha o que merece nesta terra de gente que vai morrer sem entender de rádio, e o que o rádio significa para a sociedade.

Ocorre que somos infelizes com os proprietários das emissoras de rádio que conheço, e eu conheço quase todos; é um bando de mão de vaca; gente que não paga bem a quem merece, e pouco entende da matéria; não privilegia a informação, a criatividade e a competência.

Hoje a coisa funciona assim: quem paga, fala; não importa se é despreparado ou não, se tem ou não alguma contribuição a dar ao radio e á sociedade. Muitos se aventuram e se dão bem mesmo sem qualquer aptidão ou compromisso com a arte de se comunicar.
Vão direto ao chamado “buca de ferro” sem qualquer preparo pra isso, desde que virem reféns dos seus patrões, entreguem a eles a sua alma e a parte do leão.

Ocorre que microfone de uma emissora, uns vinte anos atrás, era sagrado; ninguém ia ali pra frente assim, por ir, ou o empunhava sem passar por treinamento semelhante ao que antecedeu ao funcionamento de uma das melhores escolas do rádio amapaense, a extinta Rádio Educadora São José de Macapá.

O rádio que está aí é culturalmente pobre, chega a ser indigente, falta massa critica por razões óbvias. Não é culto, não é plural, tem a boca suja, não é democrático, tanto do ponto-de-vista musical quanto do ponto-de-vista dos objetivos, não é bem claro nem construtivo naquilo que coloca “para discussão com a sociedade”.

O rádio virou eldorado dos áulicos montados em seus carros de luxo, invenções (falo de pessoas) que ganham uma pequena fortuna para defender a vaidade, a ignorância e proteger o rabo preso dos governantes de plantão (ou daqueles que querem chegar lá) manuseando a chave que abre e fecha os cofres do poder abarrotados de dinheiro público.

Tem coisa, aliás, que não se pode falar no rádio do Amapá, todo ele prostrado aos pés da classe dominante, com generosos espaços ocupados por políticos travestidos de radialistas, como deputados estaduais, médicos, desembargador, gente graúda que está a serviço de um projeto de poder no Estado.

Nas emissoras FM a fórmula do sucesso é brega rasgado seguido de batidão atrás de batidão! O rádio virou um comércio feroz, palanque eletrônico pululante de corneteiros a serviço dos poderosos de plantão. Fica-se boa parte do dia anunciando festa, shows, elogiando as autoridades dos três poderes e o “céu de brigadeiro” do Amapá de Sarney, Waldez e companhia limitada, para alegria dos bajuladores de todos os topes.

Nessa balburdia a propaganda enganosa é um “sucesso da mídia chapa branca”, com afagos de um governo “generoso” que investe nessa coisa toda a verba de publicidade! E haja propaganda massiva paga a peso de ouro aos tubarões dos meios de comunicação social! Alguns cobram o Palácio no ar, e o Amapá tem mais rádio, canal de televisão e jornal impresso que São Paulo – como explicar?

E a censura imposta por quem paga, funciona! Quando alguém consegue reclamar é sob condição: antes leva uma lavagem cerebral; fica engraçado porque o cidadão ou a cidadã parece mais suplicar que reclamar, quando a ligação telefônica não cai (pi!pi!pi!), no caso do rádio e de um ouvinte disposto a dizer o que pensa; costumo afirmar que está tudo dominado, da afiliada da TV Globo ao locutor da arena lá dos quintos do Rabo da Vaca.

Eu que vivi o rádio na sua melhor fase, passei por duas grandes e inesquecíveis escolas, como a Rádio Difusora de Macapá e a Rádio Educadora, dividindo as honras de companhias inesquecíveis – Jorge Basile, João Lázaro, Bonfim Salgado, Benedito Andrade, J.Ney, Ernani Marinho, Euclides Moraes, Alcy Araújo, Umberto Moreira, Ivo Guilherme de Pinho, Rup Silva, Pedro Silveira, irmãos Graça e Hélio Penafort, não há como não estabelecer dolorosa diferença entre o rádio de ontem e o rádio de hoje.
Há bem pouco tempo, a programação, a notícia, a diversão, a cultura, o ouvinte eram levados a sério no rádio tucuju, como não se faz mais hoje em dia, em que as concessões de rádio e televisão se transformaram em campo minado pelos interesses da classe política com seus valores estropiados.

Vai ser difícil tirar o rádio de onde está para recolocá-lo no papel de educador e prestador de serviço, de irradiador da cultura e do entretenimento, de defensor das tradições e da história. O rádio virou outra coisa que não é nada disso, onde qualquer pessoa pode desinformar o ouvinte distraído. Em uma emissora da capital amapaense, segunda-feira, 24/10/10, um comunicador disse no ar: Olha aqui, meu, não estou mais fodendo a minha mulher por que o Governo está fodendo comigo.
Um País que precisa descontar o atraso, reduzir sua expressiva população de pobres e analfabetos funcionais não pode mitigar o rádio desse jeito, não pode prescindir de uma ferramenta capaz de contribuir para melhorar o nível de vida dos brasileiros nos centros urbanos; o rádio é capaz de unir, de alegrar, de vencer as distâncias, de chegar aos lugares recônditos levando cidadania e diversão, informação e entretenimento.

Como está, reinventado pelos políticos espertalhões, pelos maus empresários, o trabalho que se faz neste importante meio de comunicação não passa de desserviço à sociedade, um grave desperdício ao Brasil, que precisa livrá-lo de sua lenta agonia…Como acreditar de novo naquilo “que deu no rádio”, como se dizia no tempo em que o rádio tinha credibilidade e o respeito da população?

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