Trabalhadores de usina em Goiás reclamam de até sete meses sem salário

Pedro Ivo Rodrigues* trabalha em uma usina de cana-de-açúcar no município goiano de Formosa. Apesar de empregado há quase seis anos, ele acumula dívidas de cerca de R$ 3,5 mil e teme não conseguir comprar comida para sua família. Pedro Ivo faz parte de um grupo de dezenas de funcionários da Usina Vila Boa que estão sem receber salário há vários meses.

No caso dele, são cinco meses sem salário e cinco férias vencidas. Pedro Ivo, que já ficou até sete meses sem receber salário, afirma que tem muita gente “passando necessidade”. “Teve trabalhador precisando de ajuda de parentes para não ver a família passando fome. Passamos natal e ano novo sem receber nada. Alguns faziam comida em fogão a lenha porque não tinham dinheiro para comprar gás”, lembra.

Pedro Ivo decidiu sair de férias, mesmo sabendo que não receberia os valores garantidos por lei, para fazer pequenos serviços e garantir alguma renda para a família. “Como eles não pagam as férias, tirei sem receber mesmo, porque, se fosse fazer serviço por fora sem ter tirado férias, eles nos prejudicariam com faltas. O jeito é fazer serviço por fora para se manter”. Ele trabalhou na roça e em outros lugares no período que teria para descansar. “Qualquer coisa que aparece tem que encarar. Eu mesmo estou devendo uns R$ 3,4 mil. Descobre de um lado e cobre do outro. Faz compra no cartão e vai acumulando.”

Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), pouco mais de 100 empregados da usina estão com salários e férias atrasados. Se eles tentam uma alternativa para fazer renda, a empresa ameaça demiti-los por justa causa. “Não pagam e não deixam tirar o banco de horas para arrumar outro trabalho. Ameaçam dizendo que vão colocar falta. E, se tiver muita falta, vão demitir por justa causa”, ressalta Pedro Ivo.

O caso foi parar no Ministério Público do Trabalho (MPT) em Goiás. A Procuradoria do Trabalho em Luziânia marcou uma audiência entre a Companhia Bioenergética Brasileira (CBB), responsável pela usina, e representantes dos empregados. A Contag foi acionada pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Formosa, entidade procurada pelos empregados para ajudá-los. Segundo a Contag, nenhum representante da CBB foi à audiência.

Após a audiência, o procurador do Trabalho responsável pelo caso pediu que a empresa enviasse documentos comprovando o pagamento dos funcionários, mas não foi atendido. Um novo prazo foi dado para a entrega da documentação. O advogado da CBB, Gilson Saad, diz que entregou a documentação pedida pelo Ministério Público. Até o fechamento da matéria, no entanto, o recebimento da documentação solicitada não constava no sistema do MPT.

Caso a comprovação da quitação dos débitos não seja apresentada, a Procuradoria do Trabalho pode ajuizar ação civil pública requerendo o pagamento dos salários atrasados. Na mesma ação, a procuradoria pode solicitar o bloqueio dos bens da empresa.

O Ministério do Trabalho e Previdência Social também foi acionado. Procurado pela reportagem, respondeu que foi feita uma fiscalização na usina no dia 16 de maio e que continuava apurando a situação. A pasta adiantou que não foram constatados indícios de trabalho escravo. “A Auditoria Fiscal do Trabalho está apurando a ocorrência de irregularidades trabalhistas na citada usina, no entanto, informa que não houve caracterização de trabalho análogo à escravidão.”

Saad não sabe especificar as dimensões do atraso nos salários, mas nega que a usina tenha tantos débitos acumulados com os funcionários. Ele explica que empresas do ramo sucroalcooleiro, como a CBB, passam por momentos de baixa no orçamento, mas que são superados com a volta da produção. “Toda empresa que é eminentemente safrista [dependente de safra] não tem produção em certos períodos. Na época de entressafra, há uma redução dos funcionários em até um terço. Existe mesmo uma dificuldade financeira, mas sete meses de atraso de salário, isso não há.”

O advogado diz que a empresa pagou os funcionários na semana passada e prevê antecipar outros pagamentos. “Havia uma combinação desse pagamento com os representantes da empresa. Há previsão de antecipar os pagamentos para as pessoas que passaram dificuldade”.

Pedro Ivo confirmou que a empresa fez o pagamento descrito por Saad, mas disse que débitos anteriores não foram quitados. “Acertaram o mês de abril. Agora estamos com cinco meses e meio [de atraso]”. Ele rebateu a alegação de que o período de produção vai normalizar a situação. “Regularizar [os pagamentos] com a produção, isso não acontece. É conversa. Porque regularizam o atrasado e acumulam-se os meses mais recentes.”

A CBB está passando por um processo de recuperação judicial. Isso ocorre quando a empresa enfrenta uma crise financeira e pede à Justiça a extensão dos prazos de pagamento de dívidas para que possa se recuperar financeiramente. O processo está em andamento na comarca de Flores de Goiás.

Representação sindical

O advogado da empresa diz ainda que a CBB está em constante diálogo com um sindicato de trabalhadores do município de Vila Boa, que reconhece como representante legítimo dos funcionários da usina.

O presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Formosa, João Batista de Freitas, alega, porém, que foi procurado pelos funcionários da usina, que não se sentiam bem representados. “Procuraram a gente, já temos uma estrutura maior, para assisti-los. Aí convocamos a Contag”, disse Freitas.

Pedro Ivo concorda que o sindicato local não tem transmitido confiança aos trabalhadores, nem tem representado seus interesses. Para a CBB, no entanto, apenas o sindicato de Vila Boa “tem portas abertas o tempo inteiro”. Pelos relatos de representantes dos trabalhadores e da empresa, a CBB tem travado negociações com um sindicato que não fala pela maioria dos trabalhadores afetados pelo atraso de salários.

*Nome fictício

Marcelo Brandão – Repórter da Agência Brasil Edição: Nádia Franco

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