GT é formado para criação do Marco Regulatório do Ciclo do Marabaixo

A tradição mais relevante do Amapá, o marabaixo, poderá ter Marco Regulatório para o calendário do Ciclo a partir de 2020. Os diálogos para entendimento entre autoridades de segurança e ambientais, famílias tradicionais, historiadores e defensores da cultura amapaense ocorreu nesta segunda-feira (24) promovido pelo Ministério Público do Amapá, por meio da Promotoria de Meio Ambiente (Prodemac) do Ministério Público do Amapá (MP-AP), no auditório do Sebrae/AP.

Inicialmente, será formado um grupo de estudos entre os interessados, para análise das alterações que possam reduzir a criminalização dos festejos durante o Ciclo do Marabaixo.  O objetivo da Audiência Pública foi ouvir e colher informações das famílias e organizadores dos festejos, e dos representantes de órgãos públicos, para que seja estudado um modelo de regulamentação que garanta a perpetuação da cultura sem confrontar as leis.

A motivação para a audiência foi a angústia de famílias tradicionais, que procuraram o MP-AP em busca de auxílio para que os festejos não corram o risco de acabar em razão da marginalização pelas práticas que vão de encontro à leis ambientais, como a retirada de árvores para os rituais e uso de fogos de artifício. Frequentemente os realizadores dos festejos são vítimas de denúncias por volume de som, entre outros transtornos que fogem da esfera ambiental.

Danniela Ramos, descendente do precursor do marabaixo do laguinho, Julião Ramos, fez um relato do que consiste na cultura do marabaixo, o Ciclo do Marabaixo, e as dificuldades que continuam enfrentando para manter a tradição. Para ela, compreender os conceitos e a história é essencial para ter respeito à esta cultura de herança afrodescendente que há séculos é manifestada no Amapá. “Nossa tradição é religiosa, louvamos a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo, com missas, novenas, rodas de marabaixo, e outros rituais, como o corte do mastro e baile de sócios, mas sofremos preconceito pela falta de conhecimento da cultura do marabaixo, que é reconhecido como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”.

Paulo Roberto Matias, padre e presidente da Academia Amapaense de Batuque e Marabaixo, falou sobre a intolerância religiosa que ainda sofrem. “Estamos lutando contra uma sociedade que nos joga pedra, nos demoniza, enquanto deveríamos descobrir nossa verdadeira identidade e valorizar as raízes, a memória. Não é só a questão ambiental que coloca nossas práticas religiosas em risco, mas o preconceito e intolerância também”. Rodney Santos, da Secretaria Extraordinária de Afrodescendentes (Seafro), e Maykon Magalhães, do Instituto da Igualdade Racial (INPROIR), declararam que as instituições de defesa da cultura e direitos afrodescendentes trabalham políticas públicas para resguardar a tradição, mas que algumas leis podem ser revistas.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Márcio Pimentel, afirmou que a Prefeitura de Macapá é sensível às causas, e está empenhada para que os impasses se resolvam, porque as festas tradicionais não podem acabar por leis que precisam ser analisadas, como a que proíbe a isenção de taxas. Marlon Nery, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), acredita que falta maior divulgação das festas tradicionais para melhor compreensão e tratamento delicado com a causa. Rosivaldo da Silva, do Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial (IMAP), afirmou que a tradição tem que ser respeitada e o instituto está disponível para auxiliar para flexibilização nas autorizações.

A deputada estadual Cristina Almeida declarou que o papel das instituições precisa ser definido, para que o processo não seja dificultado. “Enquanto vereadora, aprovei uma lei que regulamenta o marabaixo, e é preciso que seja cumprida e incluída no Marco Regulatório”.

A participação das famílias tradicionais que dão continuidade ao Ciclo do Marabaixo traçou um retrato da realidade que passam. “Nós não temos os direitos garantidos e respeitados, na Favela sofremos muitas interferências causadas pela urbanização, e tivemos que deixar de retirar os mastros e soltar fogos, alterando a tradição. É preciso haver consenso, a intolerância é inconcebível. O Marabaixo é ancestral, não é somente dança, é religião, reaviva a memória”, destacou a historiadora e professora Mariana Gonçalves.

O também historiador Célio Alício quer que o Marco Regulatório atinja quem olha de fora; e Marilda Costa fez um emocionante relato sobre a trajetória familiar: “Temos histórias, nossa luta é injusta e invisível, o Estado já foi mobilizado contra nossa manifestação de fé”. Marlúcio Cabral, da comunidade de Campina Grande, falou sobre os conflitos que enfrentam. “Temos que respeitar as leis que não foram pensadas para nós, mas não querem nos respeitar”.

O promotor de Justiça do Meio Ambiente, Marcelo Moreira, afirmou que inicialmente o objetivo era a criação do Marco Regulatório do Licenciamento Ambiental para os festejos do Ciclo do Marabaixo, mas que a intenção foi ampliada a partir da realidade relatada pelos festeiros e da compreensão e disponibilidade dos gestores. “É possível e necessário um entendimento para que o marabaixo deixar de ser criminalizado. A cultura é livre, temos que combater a intolerância criando um marco de segurança, levando em consideração o que já foi estabelecido anteriormente com este objetivo. Temos que facilitar, por isso vamos criar um Grupo de Trabalho para regulamentar o Ciclo a partir de 2020”.

Mariléia Maciel

O que você pensa sobre este artigo?

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.