Dom Pedro José Conti: Palavras sem coração

“A oração é a chave que abre a porta do amanhecer e fecha a porta do entardecer. Na oração é melhor ter um coração sem palavras que palavras sem coração. Ela deve ser capaz de satisfazer plenamente a fome do nosso coração. O homem de oração estará em paz consigo mesmo e com o mundo inteiro” (Mahatma Gandhi).

Peguei emprestado este pensamento de Gandhi – que não era cristão – sobre a oração para lembrar que todo ser humano, que reflete e reconhece a própria fragilidade, sente a necessidade de abrir um horizonte mais amplo em sua vida, além dele mesmo. Muitos chamam isso de “religiosidade natural”. Santo Agostinho prefere falar daquela inquietação do coração humano que só se apaga quando encontra Deus. Acredito que todos nós, que nos dizemos cristãos e católicos, rezamos fazendo o sinal da cruz e invocando o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Quase todas as orações da Liturgia são dirigidas à Santíssima Trindade: a Deus Pai, em nome do Filho, na unidade do Espírito Santo. Algumas são dirigidas diretamente a Jesus Cristo, Nosso Senhor, mas no final se diz: Vós que sois Deus, com o Pai, na unidade do Espírito Santo. E nós respondemos juntos “Amém”, assim seja, é isso que acreditamos! Estamos tão acostumados com tudo isso que, talvez, nem pensamos mais nas palavras que pronunciamos. De fato, estamos proclamando um “mistério” grande, maior e acima de todas as nossas explicações racionais. Mas, atenção: o “mistério” do qual estou falando não é somente algo difícil demais para ser entendido e que, portanto, aceitamos nas formulações que nos são propostas. Não. O verdadeiro “mistério” diz  respeito à possibilidade, não de entender a questão em si, mas de ter acesso, de poder nos relacionarmos com este Deus, assim como ele mesmo se fez conhecer. Aquilo que nunca estaria ao nosso alcance, no Deus feito carne humana, no homem Jesus, se tornou possível. Vou falar difícil: Deus continua sendo o “totalmente Outro” – ou seja, absolutamente diferente de nós humanos – mas por sua própria escolha decidiu se fazer conhecer. Ensina o Concílio Vaticano II, falando de Jesus: “…por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado.” (GS 22). “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”, “dentro” de nós, propriamente.

Ter acesso ao “mistério” de Deus e entrar em relação com ele é iniciativa e dom dele mesmo. Escutamos na carta aos Romanos da Liturgia da Palavra deste Domingo: “…o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rm 5,5) E no evangelho: “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade…não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido…porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará” (Jo 16,13-14). Amor e Verdade, uma realidade só. O amor abre a inteligência e o coração ao reconhecimento das maravilhas de Deus e a verdade garante que não seremos enganados, que podemos confiar, porque confiamos amorosamente no próprio Deus que se faz conhecer.

Precisamos ser muito mais agradecidos pelo dom da fé neste Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. A nossa oração é feita de silêncio para poder escutar a Palavra do Senhor e deixar que ela ecoe dentro de nós. Também tem as nossas palavras para abrir o nosso coração a quem com certeza nos escuta, porque nos ama como somente Deus sabe amar. Quando rezamos de verdade entramos no mistério de Deus, começamos a enxergar as coisas com o olhar dele, entendemos que tudo o que acontece ou fazemos acontecer em nossa vida é a possibilidade que temos de amar como ele nos amou e nos ama sempre. Aprendemos a ver os caídos pelas estradas da vida, a não julgar, condenar e apedrejar, mas a ter compaixão, perdoar, carregar os pesos dos outros solidários e fraternos. Quando rezamos, é melhor ter um coração sem palavras que tantas palavras sem coração.

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