CNI debate se covid-19 é doença ocupacional
STF derrubou trechos da MP sobre regras trabalhistas durante pandemia
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) promoveu debate online hoje(14) no qual questiona a classificação da covid-19 como doença ocupacional. O tema é objeto de análise no Supremo Tribunal Federal e já teve julgamento preliminar onde a maioria dos ministros se manifestou neste sentido.
O tema ganhou visibilidade com a edição pelo governo federal da Medida Provisória (MP) 927 de 2020. Entre outras medidas voltadas à pandemia, a norma previu no Art. 29 que empregadores não considerassem a covid-19 como doença ocupacional a menos que houvesse uma comprovação de que o trabalho foi a causa da infecção.
O dispositivo legal foi questionado por diversas ações diretas de inconstitucionalidade de autoria dos partidos PDT, Rede Sustentabilidade, PSB, PSOL, PCdoB e PT, além das confederações nacionais dos metalúrgicos e dos trabalhadores da indústria.
No dia 26 de março, o ministro Marco Aurélio negou liminar que suspenderia este e outros dispositivos. No dia 29 de abril, o pleno do STF analisou a questão e suspendeu os Artigos 29 e 31, que flexibilizavam a atuação dos auditores fiscais do trabalho. Venceu a tese do ministro Alexandre de Moraes, segundo a qual o Artigo 29 ofenderia os trabalhadores atuando em medidas essenciais.
No debate da CNI, a gerente de relações trabalhistas da entidade, Sylvia Lorena, relativizou a decisão, afirmando que ela não teria entrado no mérito. A advogada Cláudia Vianna, uma das participantes, defendeu a redação prevista na MP 927. Segundo ela, haveria uma série de obstáculos para caracterizar a covid-19 como doença ocupacional.
O primeiro seria o fato de que a legislação prevê a comprovação do chamado “nexo causal”, quando fica evidenciado que a atividade profissional foi a razão da infecção pelo trabalhador. Além disso, a gripe não estaria prevista entre as doenças desta modalidade. Ela acrescentou que outro problema é a falta de previsão de diversas profissões na legislação.
“A lei diz que a doença do trabalho é a relacionada com meio ambiente desde que esteja relacionada no regulamento da Previdência Social. Ele [o regulamento] coloca só os profissionais que lidam diretamente com o vírus, a bactéria. Fala só daqueles profissionais que estão na linha de frente do tratamento e da pesquisa do fator etiológico. Lei lista o que não são doenças do trabalho”, defendeu.
O médico Cláudio Patrus, do trabalho do Serviço Social da Indústria (SESI), ligado à CNI, reforçou o argumento de que para relacionar a covid-19 ao trabalho é preciso comprovar este como causa. “Não posso transferir simplesmente uma informação de que é doença profissional em função de uma condição sem que avalie a situação”.
Patrus argumentou que o fato de uma atividade ser essencial “não quer dizer nada”. “O que temos que levar em consideração é o risco à exposição. Para avaliar, eu preciso caracterizar a exposição. O risco muito elevado está para pouquíssimas atividades, profissionais de saúde na linha de frente do vírus, que faz procedimento de indução de tosse, exames broncoscópicos, estes são risco elevado”, exemplificou.
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Doença ocupacional
Para o advogado José Eymard Loguercio, que atuou no julgamento do STF em uma das ações direta de inconstitucionalidade (ADIs), no caso da covid-19 o trabalhador pode adquirir a doença “em função das condições de trabalho”, independentemente da atividade que esteja funcionando nesse período. Se a empresa deixar o ambiente se contaminar, a doença poderá ensejar o acidente de trabalho.
“A MP excluía essa hipótese e, assim, deixava as pessoas sem a devida proteção e as empresas sem a devida atenção para as precauções quanto ao ambiente do trabalho. Foi isso que decidiu o STF, ao suspender o dispositivo. Entendeu que a Constituição protege especialmente a vida e a saúde e que o dispositivo, ao inverter a presunção, deixava as pessoas ainda mais vulneráveis em momento em que se deve dar proteção”, observa o advogado.
Ministério Público do Trabalho
Segundo a procuradora do trabalho Ileana Mousinho, vice-coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Regularidade do Trabalho na Administração Pública (Conap), o nexo causal ocorre com a “mera exposição” ao vírus ou contato com o agente biológico.
“Numa pandemia, como o vírus pode estar em toda parte, o nexo causal é de fácil demonstração. A empresa que está em funcionamento tem que adotar medidas de saúde e segurança do trabalho muito detalhadas, com fornecimento de EPIs [equipamentos de proteção individual], mas também de EPC [equipamentos de proteção coletiva]. Para o trabalhador, será relativamente fácil provar que se contaminou no local de trabalho se a empresa não adota medidas sanitárias”, argumenta.
EBC